quinta-feira, 19 de abril de 2007

Lost in Translation à brasileira




Todas as vezes que comentei com alguém que estava de malas prontas para morar no Japão, a primeira coisa que me perguntavam é se eu já havia assistido o filme “Lost in Translation” (Encontros e Desencontros, na versão brasileira), aquele que Scarlett Johansson aparece perdida e solitária em Tóquio. Isso, claro, até encontrar e fazer amizade com Bill Murray, aparentemente tão deslocado e sozinho quanto ela.
Como a maioria dos que assistiram, achei o filme de Sofia Coppola bastante interessante. A diferença é que, agora, além de ter conferido a produção no cinema, posso dizer que vivi o roteiro de “Lost in Translation” na pele. Claro que o trem de Tóquio e seu emaranhado de linhas e estações (com nomes complicadíssimos, vale salientar) tinham que ser protagonistas dessa história, que durou cerca de quatro horas - entre idas e vindas em vagões com destinos diferentes.
Qualquer pessoa sabe que se perder no meio de transporte mais utilizado no Japão não é tarefa difícil, até porque, no Brasil, só os paulistanos estão acostumados a essa correria diária, de sair trocando de um metrô para outro até chegar ao destino desejado. Imagine então fazer isso em uma cidade onde tudo é escrito em japonês… Está bem que isso não é regra, pois quase todos os vagões dispõem de informações em inglês, mas para uma pessoa perdida e sem noção de direção como eu isso não ajuda muito.
Aliás, eu nunca fui uma expert nesse assunto. Na única vez que estive na Argentina consegui cometer a proeza de pegar linhas diferentes do metrô de Buenos Aires e voltar para o mesmo lugar de onde eu havia saído minutos antes. Frustrada e atrasada para o passeio que ia fazer naquele dia, acabei desistindo de pegar o transporte subterrâneo para seguir de táxi. Sem falar que fui reprovada no teste de direção e recentemente levei uma queda fenomenal de bicicleta, meu novo meio de transporte. Coisas de quem não tem coordenação motora e nunca teve uma bússola na vida…
Dessa vez a história foi parecida: entrei sozinha em um trem com destino a Shimo-Takaido, lugar onde eu deveria encontrar meu respectivo marido para de lá pegarmos um outro trem, com destino a “não sei mais que lugar era”. Atrasada, com frio, descabelada e ofegante depois de caminhar debaixo de chuva por mais de 20 minutos até a estação mais próxima de minha casa, Sengawa, entrei em um vagão com a certeza de que dois mais dois são quatro, afinal eu tinha anotado todas as instruções que ele me dera na noite anterior. Instruções, vale salientar, repassadas com certa desconfiança por meu cônjuge, que depois de me ver anotar tudo, perguntou, com uma risadinha no canto da boca: "ô meu amor, e se você se perder e eu nunca mais te achar?". Eu, claro, nem dei bola, certa de que não iria falhar. Ah, antes parei em uma lojinha para comprar um guarda-chuva, apesar de já estar ensopada, pois meu lindo marido tinha acordado atrasado para ir à universidade e precisou pegar a minha bike emprestada. Eu, claro, fiquei a pé.
Não me perguntem como, mas só cheguei ao local marcado cerca de uma hora e meia depois do combinado. É que cometi a trapalhada de pegar a linha para Chofu, que ia no sentido oposto à minha, Shinjuku. Algo como uma pessoa que deseja ir para Boa Viagem e acaba indo para o Janga. Enfim, o problema é que só vim me tocar que estava indo para o lado errado quando me virei para a senhora sentada ao lado e perguntei, em um inglês precário, se aquele trem iria para Shimo-Takaido, que essas horas já estava a umas 20 estações de distância. A senhorinha, com cara de espantada, gentilmente me ordenou que voltasse, em um sonoro BACK! Eu, claro, devido ao meu japonês inexistente, agradeci com um arigatô rasteiro e saí de fininho para pegar outro vagão.
Como se não bastasse a confusão toda, lá estou eu, desta vez no trem certo e tentando ler um mapa nesse idioma multigráfico, quando um senhor de cabelos grisalhos, poucos dentes na boca e um hálito que denunciava a garrafa de saquê que ele tinha “derrubado” minutos antes, senta ao meu lado para “trocar umas idéias”. Primeiro, danou-se a rir porque viu aquela gaijin de cabeleira loira tentando ler nihongo, ou melhor, japonês.
Tá, tudo bem, deve mesmo ser engraçado tirar sarro de gringo, mas ele não precisava ter sentado ao meu lado para ficar falando coisas que eu não entendia, numa tentativa de me deixar bêbada indiretamente. Acho que se eu acendesse um fósforo ele explodia. Não adiantou eu falar diversas e repetidas vezes “wakarimasen”, que nessa língua complicada significa “não entendo”, porque o cara continuava a falar. E não devia ser coisa boa, pois tinha um japinha do meu lado – ai, que redundância - que não parava de balançar a cabeça em sinal de reprovação. Resumindo: coloquei meu mapinha debaixo do braço e troquei de vagão, deixando o bêbado sem dentes falando sozinho.
Livre do cachaceiro (ou será saquezeiro?) e já no meu esperado destino, mais uma vez me senti na pele de Scarlett Johansson. Sem celular e sem avistar Gustavo em parte alguma - que naquele momento já pensava em ligar para a polícia e oficializar o meu desaparecimento -, lá vou eu tentar usar um orelhão para acabar com aquela agonia e finalmente ouvir uma voz familiar aos meus ouvidos. Acontece que todas as DEZ vezes que liguei a única voz que escutei foi a da telefonista, numa gravação definitivamente incompreensível para mim. Não sabia se o telefone estava desligado, fora de área ou ocupado. Acabei soltando um PQP em bom português e peguei o caminho de volta para casa. Ah, claro, mas antes parei em um Mc Donald’s para tomar uma injeção de “Ocidente” na veia, porque ninguém é de ferro.

15 comentários:

Luciana Torreão disse...

Minha nossa e depois disso tudo você conseguiu falar com seu marido??? Coitada....penso que o saquezeiro tava era te chamdno de gostosa além de outras obscenidades mais....hahahhaahaha...muito boa...pra naum dizer trágico..bjs Luciana Torreão

Lucila Nastassia disse...

Ô amiga, ainda bem q existia um Mc Donald´s no caminho! Fiquei angustiada lendo teu texto, afe maria! Medrosa do jeito q sou eu já tinha caído no choro.
Como sempre, maravilhosooooo o texto!
Beijos.

Ana Rosa disse...

minha filha, e eu que me achava a louca do kisuki por ter pego o ônibus de são josé dos campos quando, ne verdade, queria ir p campos do jordão. Oh, bubu, como tu sofreu! mas quem mandou se atrasar!!! kakaka. bj, doidinha

Anônimo disse...

Brunete, bixinha de tu (em bom pernambuquês!!!). Mas,a inda bem q tinha Mc Donald's mesmo, como disseram no post acima. No teu lugar, eu já estaria um monstro de gorda de tanto me entupir de "ocidente"!!! KKKKKKKKKKKKKKKKK bjo

Anônimo disse...

Po, e como acabou? Gustavo conseguiu falar com vc como?

E se vc encontrar com a Scarlett Johanson por ae, me manda por Sedex, tá? ;)

Bjos

Bia disse...

huahauahau!
Ler o que vc escreve é bom demais!!
Adorei!!
E até imagino o Gustavo falando mesmo com um sorriso de canto huahauahaua
Mas como foi esse tombo da bicicleta?? Vc se machucou? Vc já deve ter escutado estórias de mim com a bicicleta né, ah claro com o poste também =P
Se cuida!

Bruna Siqueira disse...

People, vamos lá às explicações adicionais: não se preocupem que eu consegui chegar em casa sim, e Gus estava me esperando na sala de TV, dormindo, pq estava sem chave... O coitado já tinha sonhado e tudo, tamanha a demora. Ah, agora isso não vai mais acontecer, eu comprei um celular! Uhu!
E Mc Donald's tem de "tuia" aqui, assim como Starbucks, pra alegria dos que não falam japonês. É só apontar pra figura e pronto, que a comida chega! kkk!
Aninha, tu é a louca do Kisuki mesmo, pq pelo menos eu me perdi em um país estranho, de língua desconhecida. Tu se perdeu no Brasil e confundiu o nome de duas cidades só por causa de uma palavra! kkkkkk! Tu ganhou!
Bruno, acho que vai ser meio difícil encontrar Scarlett Johansson por aqui, mas se eu a vir dou o seu recado! Por sedex, né? kkkk!
Ah, Bianca, o tombo de bike foi semana passada. Inventei de olhar pra cima pra ver os corvos, que estavam grunhindo, e caí feio... Já soube das suas quedas sim! Que bom que não estou sozinha! hahaha! Ah, quero saber onde comprar um porta guarda-chuva igual ao seu! Eu não sei dirigir e segurar a sombrinha ao mesmo tempo, é exigir demais de mim! bjos a todos! Continuem postando!

Adriana Cavalcante disse...

Putz! O sufoco foi grande mas o seu texto é tão delicioso que a gente acaba relaxando como se estivesse vendo um bom filme, delicioso na verdade! bj amiga!

Anônimo disse...

Fiz referencia do Panorama lá no Enquanto isso... Tu vai comecar a receber visitas desde lado de ca tb....
xero

Gisele Scantlebury disse...

Coitadinha!!!! Nunca me perdi, acredita? Mas, acontece nas melhores familias. Bom saber que voces se encontraram de novo. (risos!). Ainda bem que agora voce tem celular, ne??

Ju disse...

ahahahahahahahahah... cuidado com o velho saquezeiro... beijo pra tu!!!

Anônimo disse...

ufa... que confusão, hein? ainda bem que com final feliz... bjoo
rachel motta

Anônimo disse...

Excelente história, enredo, direção artística! Oscar de coadjuvante para Gustavo com a frase "ô meu amor, e se vc se perder e eu nunca mais te achar?"...
Boa sorte para vcs dois!
Mário Mignot

Unknown disse...

Bruninha, delícia seus textos!
Parabéns!
Ah, e você é das minhas! Eu sou craque em perder... trem, vôo, metrô, porque sempre troco as datas(!) dos embarques... :D Pergunta pra Ló :D
E da próxima vez, antes de mudar de vagão, manda o saquezeiro pra aquele canto escuro em alto e bom português! Nem ele nem ninguém vai entender mesmo... ;)
Beijos e DIVIRTA-SE mais!!!

Unknown disse...

Bruna, agora pude observar por esse texto, que você é de Recife não é?
De onde você?
Adoro suas histórias, vou entrar no curso de japonês no próximo ano, pretendo ir ao Japão assim que me formar em design de interiores. Você é muito boa no que faz, Parabéns!